(Gazeta do Povo - Vinicius Boreki)
Licitação para contratação da empresa que coletará lixo em Curitiba prevê preço maior e proíbe participação de consórcios, o que pode ajudar a elevar o custo
A nova licitação para a contratação da empresa responsável pela limpeza urbana de Curitiba prevê um valor 38% maior do que o pago atualmente pela prefeitura. O edital da concorrência pública autoriza um valor máximo de R$ 645,5 milhões por um prazo de cinco anos – R$ 129 milhões por ano. O atual contrato, firmado com a empresa Cavo Gestão Ambiental, custou R$ 563 milhões nos seis anos de vigência – R$ 93 milhões por ano. As propostas de preço serão entregues pelas concorrentes no próximo dia 11.
Um total de 90 empresas retirou o edital, mas a impossibilidade de consórcios participarem colocou em dúvida se a licitação favorece a busca do menor preço com melhor técnica, um dos princípios exigidos pela lei.
Entre as obrigações estabelecidas pelo edital estão a coleta e o transporte de resíduos sólidos, a limpeza de rios e a manutenção e o monitoramento do Aterro Sanitário da Caximba. Apesar dos serviços exigidos, consórcios não podem participar. O edital estabelece em R$ 64,5 milhões o capital social (patrimônio líquido) mínimo das concorrentes; não divide a cidade em lotes, como aconteceu na licitação do transporte coletivo; e limita a participação da empresa em um raio máximo de 13 quilômetros do marco zero de Curitiba ou com prospecção de aquisição de terreno nesse limite – portanto, dentro dos limites da capital.
Não há ilegalidade em barrar a participação de consórcios, mas especialistas estranham o bloqueio. Eles avaliam que empresas consorciadas poderiam fazer propostas mais vantajosas para a prefeitura – evitando o teto de R$ 645,5 milhões. “Quanto maior o porte da licitação e mais expressivo o contrato, há tendência em se admitir a participação de consórcios para ampliar a participação do mercado”, diz o doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Fernando Vernalha Guimarães. “Uma licitação dessa envergadura deveria permitir a participação de empresas consorciadas, pois assim seria ampliada a competição e haveria maior possibilidade de se alcançar propostas mais vantajosas”, avalia o doutorando e mestre em Direito Administrativo Rodrigo Pironti Aguirre de Castro.
Subcontratações
Apesar de vetar a participação de consórcios, o edital autoriza a companhia vencedora a subcontratar alguns serviços. A prefeitura não esclarece os motivos da permissão e justifica apenas que a subcontratação é autorizada por lei. “Os serviços principais serão executados pela vencedora da licitação que responde também pelos serviços subcontratados”, afirma nota oficial da administração municipal. A nota diz ainda que a limpeza urbana está distante de um grau de complexidade elevado no mercado nacional, o que “demonstra a existência de diversas empresas detentoras de tecnologia e com capacidade de individualmente executar o serviço”.
Sem a conclusão da concorrência, é impossível saber se haverá aumento da taxa para os contribuintes. A prefeitura aposta na “economia de escala” – otimização dos processos, com diminuição de custo e incremento do serviço – para não haver repasse ao consumidor. “A execução dos serviços deve obedecer a uma logística previamente estabelecida que contemple a forma mais adequada, sob a ótica técnica e econômica, para a satisfação do interesse público envolvido”, afirma a nota. De acordo com Castro, essa é uma das explicações plausíveis para não dividir a cidade em lotes, como na licitação do transporte coletivo.
Concessão
Na avaliação do professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Justino de Oliveira, a Lei Federal 11.445/07 (conhecida como Lei do Saneamento Básico e regulamentada no ano passado) estabelece que as licitações de limpeza urbana devem ser realizadas em regime de concessão desde 31 de dezembro do ano passado. Antes da divulgação do edital, uma série de obrigações teriam de ser seguidas – entre elas, a realização de uma audiência pública e um estudo de viabilidade técnica e econômico-financeira. “Entendo que a limpeza urbana somente pode ser delegada a particulares por concessão”, diz Justino.
Guimarães não segue o mesmo raciocínio, mas considera um mecanismo viável, especialmente para estabelecer Parcerias Público-Privada (PPPs). “Elas pressupõem contratos de maior longevidade e autosustentáveis. Ou seja, a retribuição do concessionário advém de tarifas pagas pelos usuários, com eventuais subsídios”, diz. A prefeitura argumenta cumprir tanto a Lei do Saneamento Básico quanto a Política Nacional de Resíduos Sólidos. “A concorrência atendeu a legislação plenamente por: considerar os seus fundamentos, ter sido submetida à audiência pública; e ter suporte em plano público aprovado”, diz a nota oficial.
Histórico
Licitação e tratamento de lixo são velhos fantasmas para a prefeitura
Unir em uma mesma frase os termos “licitação” e “lixo” deve assombrar a prefeitura de Curitiba. Desde 2008, a administração municipal tenta concluir a concorrência pública para a contratação de empresa responsável pelo Sistema Integrado de Processamento e Aproveitamento de Resíduos (Sipar), a usina do lixo de Curitiba e outros 18 municípios da região metropolitana. O valor máximo a ser pago pela prefeitura seria de R$ 73 a tonelada. Atualmente, são levadas cerca de 2,5 mil toneladas diárias aos aterros provisórios da Estre, em Fazenda Rio Grande, e da Essencis, em Araucária. O custo do contrato será superior a R$ 1 bilhão em seus 21 anos, com chance de prorrogação por mais 5.
Os valores da licitação e a forma de licença já causaram inúmeras reviravoltas. No momento, o Consórcio Intermunicipal para a Gestão de Resíduos Sólidos aguarda decisão do Tribunal de Justiça (TJ) para dar prosseguimento ao processo. Nos últimos três anos, a concorrência já foi suspensa pelo Tribunal de Contas (TCE) e pelo TJ por, pelo menos, duas vezes – sem contar as incontáveis ações judiciais impetradas pelos participantes. Em dezembro de 2009, os responsáveis pela licitação chegaram a considerar o Consórcio Recipar vencedor. Desde então, por determinação do TJ, o procedimento segue parado.
Mandirituba
Além de vencer as barreiras legais, o Consórcio Municipal ainda precisa definir o local para a instalação da usina do lixo. Uma área da Cavo Gestão Ambiental em Mandirituba segue como mais cotada. Entretanto, o município aprovou uma lei que impede o recebimento de lixo de outras cidades, o que vedaria a instalação do Sipar. A Cavo trabalha na área com autorização dada por uma liminar. Na cidade, a maior parte da população é contrária à instalação da usina e, no fim do ano passado, foi aprovada uma consulta popular. O procedimento depende de uma manifestação do prefeito, o que ainda não aconteceu. Ele aguarda um parecer da procuradoria jurídica, em até 60 dias, prazo que se encerra nas próximas semanas.
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